#EscutaElétrica 💡 Paula Guedes: "A velhice está na nossa pele e não na nossa mente."
Ana Paula Batista Guedes, mais conhecida como Paula Guedes leva consigo toda a leveza e força da existência de ser uma agitadora cultural pernambucana reconhecida pelo que faz. Comunicadora, enfermeira auxiliar, dançarina afrobrasileira contemporânea, cantora, compositora e ativista, ela, aos 52 anos de idade, integra o grupo de samba reggae feminino chamado Bloco Obirin Oficial.
Como mulher negra, Paula luta, diariamente, contra o preconceito que sente na pele e que atravessa todas as épocas da sua vida. Quando o papo é amadurecimento, ela que sempre foi uma mulher à frente do seu tempo, reconhece que o que mata não é o tempo, "mas os tabus sobre o envelhecimento. Eles nos colocam num estado degenerativo e de invisibilidade constante." Na contramão desse movimento, sua voz resplandece e catalisa nos principais eventos de cultura do estado pernambucano e também nas mídias sociais, onde encontrou um espaço de reflexão e retomada da própria narrativa individual que ressoa, reúne e traz consigo todo o movimento Ageless.
A mulher tem direito de envelhecer? Quando foi que você percebeu que esse seu direito foi “tomado”? E como aconteceu esse processo de retomada?
"Sim, as mulheres têm o mesmos direitos humanos quando comparamos com os demais grupos da sociedade. Porém, a nós, mulheres somam-se também fragilidades que são desenhadas e impostas para nós, principalmente quando falamos do envelhecimento. Carregamos conosco o peso do preconceito."
Quando foi que você percebeu que era importante compartilhar nas redes sobre a sua juventude como estado de espírito?
"Quando cheguei aos 50 anos, fiquei desempregada. Então, fui disputar vagas de emprego ao lado de muitos e muitas jovens. Mas mesmo com experiência, nunca fui chamada, apesar dos inúmeros currículos espalhados. Aí, me vi nesse processo de reinvenção. Sempre fui uma mulher ativa e comecei a apostar nas minhas outras experiências e que envolviam a dança, a maquiagem, a moda e a oratória, através de cursos básicos. São temas que domino, já que trabalho nessas áreas há mais de 34 anos.
A alegria sempre se manifestou em mim e a curiosidade também, acho que essas são as duas principais forças para movimentar as minhas redes. Muita gente me conhece pelos meus trabalhos de locução no Carnaval e em São João, além de ações direcionadas às mulheres e outras várias manifestações que me inspiraram e me trouxeram seguidores.
Recebi vários elogios ao meu trabalho e já até me pediram autógrafo, acredita? As pessoas engajam muito comigo, pedem para que eu conte histórias de Orixás, cantar, me maquiar, enfim… Foi através das redes que entendi a importância da minha imagem e da minha fala como mulher negra.
Também tenho filhos maravilhosos que sempre me estimularam nas minhas atividades. Então, mesmo sem entender muito dessa nova forma tecnológica, pedi ajuda a eles. Atenawa Guedes, Aduni Guedes e a minha nora Naomi Mundy me ajudam nessa caminhada."
Qual é a sua relação entre beleza e ancestralidade?
"Para mim, ancestralidade e beleza andam juntas. Isso porque a nossa beleza nunca esteve distante de nossa história ancestral. O corpo e as vestes se interligam com o sagrado e o vital para nós. Os tecidos africanos, chamados de Ankaras, os penteados afros e tranças compõem nossa estética milenar e preciosa. Aprendi que tanto a beleza, quanto a ancestralidade são e funcionam como um conjunto. A construção de uma fala potente e consciente sobre a beleza estética é sinônimo de empoderamento. Levo isso comigo para onde eu for."
70% das mulheres negras com idades entre 18 a 60 anos estão insatisfeitas com as marcas de maquiagem disponíveis no mercado.
Pesquisa realizada pela Avon sobre representatividade e beleza, 2020.
Como funciona a sua rotina de beleza hoje?
"Sou uma mulher negra periférica e vaidosa. E quando falo de rotina de beleza, já fui de muitos altos quando trabalhava mais essa parte, mas também de muitos baixos. E os baixos me deprimem muito, mas me ensinaram bastante também. Com os baixos, aprendi que tinha que cuidar para além de mim, e sim do lugar onde habito, a minha casa. Também aprendi a sempre manter a casa bonita. Por necessidade, também aprendi que posso comprar coisas boas, sem gastar muito, garimpando. Isso me ajudou muito e hoje, ajudo várias mulheres mostrando a elas como podem ser lidas e viver a beleza de sua idade gastando pouco. Deixei a academia, faço exercícios em casa, como melhor. Acho que isso de rotina de beleza tem tudo a ver com ser bem resolvida consigo mesma. E essa postura faz total diferença na sua beleza e na sua vida."
Faz sentido para você dizer que a narrativa é uma forma de combater o estereótipo? Como você analisa a importância das suas narrativas?
"Sim! Sem dúvida a narrativa é uma forma mais próxima de combater o preconceito arraigado na idade, porque nos torna visíveis na sociedade pela nossa própria voz. Vejo o tamanho da importância quando recebo o retorno das minhas seguidoras. As respostas são muito positivas, são agradecimentos muito verdadeiros, e as reflexões, muito profundas."
No primeiro semestre de 2020, foram demitidos 65 mil profissionais com mais de 65 anos, alta de 25% quando comparamos com 2019. Só na faixa etária dos 50 aos 64 anos, foram 756 mil demissões (alta de 9%); em confronto com os mais jovens, as demissões entre jovens de 25 a 29 representam apenas 2,3%.
Levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, 2020.
E quanto ao mercado de trabalho? Qual é a potência do profissional maduro? Você ainda encontra muito preconceito?
"Mesmo que ainda exista resistência quando se trata de emprego para nós, profissionais maduros, acho que é um caminho sem volta para as empresas estarem abertas a essa nova configuração. O número de brasileiros com mais de 50 anos de idade buscando recolocação no mercado de trabalho cresceu bastante em 2017, mas o desemprego ainda é geral. Ainda, percebo que para mulheres negras existe um preconceito ainda maior."
Qual é o sentido do tempo para você?
"O tempo passou a fazer parte sentido pra mim quando atinei que ele tem que existir para mim, e não eu para ele. Vivemos loucos tentando encontrar o tempo para tudo, cronometrando a vida e isso é muito nocivo para o nosso entendimento próprio no mundo."
Para 53% das mulheres negras mais maduras, entre 50 e 60 anos, apenas algumas marcas de maquiagem as valorizam.
Pesquisa realizada pela Avon sobre representatividade e beleza, 2020.
O que é belo para você hoje?
"Belo é ter a oportunidade de acordar e agradecer por mais um dia de vida, fazer o exercício diário de ver o mundo com um novo olhar. Já acordo com planos todos os dias e repito para mim mesma palavras para elevar a autoestima. Belo para mim também é me maquiar e me ver em fotos. Belo é fazer os sabonetes artesanais com essências de ervas dos Orixás, tomar um banho de folhas. Belas para mim são todas essas mudanças de hábitos que proporcionam o bem viver feminino."
Do ponto de vista financeiro, como a gente pode caracterizar a consumidora brasileira madura?
"Ganhar pouco é a realidade da maioria das mulheres negras. Por isso, elas sempre tem que escolher o que há de mais barato. Não têm acesso ao que é de melhor porque precisam sobreviver. E mesmo com todas essas dificuldades, o tempo me trouxe outras experiências de vida, com um olhar precioso."
"Então, posso falar do meu ponto de vista financeiro. Já fui muito consumista, mas era muito complicado trabalhar tanto, ganhar pouco e gastar muito. Ganhar pouco é a realidade da maioria das mulheres negras. Por isso, elas sempre tem que escolher o que há de mais barato. Não têm acesso ao que é de melhor porque precisam sobreviver. E mesmo com todas essas dificuldades, o tempo me trouxe outras experiências de vida, com um olhar precioso. Mas agora, na pandemia, as coisas ficaram mais difíceis."
Para você, qual é a maior referência da juventude como estado de espírito?
"Olha, a minha referência como estado de espírito é muito imensa e eu não preciso buscar muito longe para citar aqui. Quando tinha 20 anos, tive uma amiga que tinha 60 anos de idade, ela se chamava Korinta. E eu sempre fui muito à rente do meu tempo, mas ela me inspirou muito a lapidar uma cabeça maravilhosa. Pela mente dela não passava nenhum pensamento tosco. Ela tinha um olhar futurista e era uma filha de Oyá vaidosa e linda. Me surpreendia com a sua forma de ver o mundo."
8 em cada 10 mulheres com idades entre 50 a 60 anos dizem que, conforme elas ficam mais velhas, mais a família ganha importância em suas vidas.
“The Elastic Generation — Female Edit” do The Innovation Group — J. Walter Thompson Intelligence.
Me conta um tico sobre o seu trabalho com cultura?
"Eu respiro cultura. Falar, defender, contar, dançar, cantar e tocar é algo muito intenso para mim. Hoje, sou a locutora mais procurada para eventos e não só pela Prefeitura de Recife, mas também pelas comunidades que promovem suas ações e manifestações culturais. Pessoas de outras cidades como Olinda também me procuram. Também já participei de eventos em cidades do interior, como Festival Lula Calixto, em Arcoverde. Eu amo o que faço!"
Qual é o Eixo mais importante da sua vida e por qual motivo?
"O Eixo mais importante da minha vida é a minha religião, sou candomblecista e esse caminho norteia o meu equilíbrio e o meu melhor como ser humano vem dessa ancestralidade que carrego comigo. Sou filha de Oyá com Xangô. Já os meus filhos são os meus maiores aprendizados e representam a minha melhor forma de amar."
"A velhice está na nossa pele e não na nossa mente. O que mata não é o tempo, mas os tabus sobre o envelhecimento. Eles nos colocam num estado degenerativo e de invisibilidade constante."
O que você diria para as mulheres que vivem o conflito sobre a adequação estética sobre o amadurecimento?
"Divido com as mulheres maduras um conselho que serviu e serve até hoje para mim. Viva seu tempo no tempo da vida, e pense que cada dia pode ser o último. Não desencarne não pelo que não merece importância. E mesmo que a cronologia sinalize, todos os dias, o passar do tempo, isso não é o fim. O fim só acontece quando não estivermos mais aqui. A velhice está na nossa pele e não na nossa mente. O que mata não é o tempo, mas os tabus sobre o envelhecimento. Eles nos colocam num estado degenerativo e de invisibilidade constante. Grite para ser ouvida, leia-se para ser vista e se cuide. Se a juventude é um estado de espírito, a velhice também é. Quanto mais velha fico, mais jovem eu me sinto."